O problema das livrarias começa com a maioria delas estando enterrada dentro de um Shopping Center. Acho que se pode dizer que quem gosta de livros os consome, mas é um consumo algo mais pagão e multifacetado do que o possível no templo da gordura hidrogenada e do “sale” (sapore di sale, sapore di mare). É claro que depois a crise passará pelos livros: de cara, a vitrine é um espantalho (Nevermoooore, vaza, malandro!). Os primeiros passos me colocam em contato com ilhas temáticas, todas elas vão me ajudar em alguma coisa: ficar magro rico feliz culto. Existem livros – é claro – e muito mais: derivados de livros, como se livro fosse leite, que azeda e vira algo ainda mais legal. As pulgas do Marley, as espinhas do Harry Potter, o Segredo (do Morcego, do management, do escambau), a dieta de empresário de sucesso, os dez mandamentos de qualquer coisa. Tem também essa conversa de “edições belíssimas”: se pega um escrito (mais dos “highbrow” e preferencialmente de domínio público) e toca a pôr papel esquisito, livro que abre pra cima, dentro de caixa, com bordadinho.
Volta e meia eu ganho um livro de presente (porque eu “leio muito”) e é batata: lista da Veja, “diz que é muito bom” e tome sofrimento, garimpando pra trocar por algum livro sobretaxado em “edição belíssima” de um texto grego ou coisa que o valha. Sou a favor de livraria vender cerveja, que eu troco por crédito na loja.
Sebo é outra história, que também tem suas chatices, mas é onde se encontram os livros legais, naquela puta bagunça, preço baratinho (em sebo fresco de quem “sabe o que está vendendo” eu não entro). Livros pra levar e ler. E pra falar de edições especiais, qualquer livro que venha do sebo é único, com suas orelhinhas, “pertence a…”, com anotações às vezes esquizofrênicas, carimbos, marcadores de página bizarros.
Este papel que segue encontrei em um livro, que não me lembro qual, um hino anarquista espanhol transcriado aqui para o português, presente em várias publicações operárias. Seria o original? Cosac-Naify não faz melhor em termos de eye-candy.
Filhos do Povo
Filhos do povo, que sofreis em extremo,
Lenta agonia, sem luz e sem ar,
Mais vale o esforço de um acto supremo;
Se a vida é pena, mais vale lutar!
Mais vale lutar!
Esse vil mundo que atrós vos consome
Sobre esses hombros, despotico está;
Lançai-o à terra, mataio de fome
Força suprema (viril), que o braço vos dá!
Revolução! abre o porvir
A exploração ha-de sucumbir!
Ação, ação, não pedir leis;
Valor e união que livre sereis
Tomai de vez, o bem estar
Contra o burguês
Lutar! Lutar!
Quando num gesto viril soberano
Numa revolta de anteu produtor
Dissipe o homem, neblina de engano
Retome a terra, repila o Senhor!
Repila o Senhor!
Sobre o escombros a livre comuna
Sem leis e sem amos, vivaz surgirá!
Que a liberdade, na vida nos una,
Se tudo é de todos, escravos não há!
Ah Revolução! abre o porvir.
A exploração hade sucumbir
Ação, Ação, não pedir leis
Valor e união de livres sereis
Tomai de vez, o bem estar
Contra o burguês, lutar, lutar!