Comensais

– Bom dia, principal!, disse o alternativo.

– Muito bom dia, alternativo! Que bons ventos o trazem?, disse o principal.

– Trago uma fantástica garrafa de cabernet, para seu deleite.

– Muito amável de sua parte, tenho aqui umas tacinhas da Boêmia…que já as conhece, verdade? Alternativo sorriu e continuou: – Aliás, jamais seria tão cabotino de não prestar-lhe a vênia do reconhecimento. Nunca deixo de lembrar que esse néctar não estaria em nosso banquete, não fosse a sua vigilância.

– Não tem de quê, alternativo. Pela arte e pela cultura. – ergueu a taça de cristal contra a terça-feira ensolarada, o augusto âmbar projetou o caramelo-púrpura em suas faces gordas. Escrutinou o aroma da delicada bebida com suas narinas sem pelos. Finalmente, não sem antes voltivolear o líquido do delicado recipiente, tenteou um pequeno gole. – Soberba fermentação, fantástica!

– Eu sabia que seria do seu agrado. As notas tânicas hão de adstringir as dificuldades da vida. – e mostrou os dentes no que seria uma gargalhada sem som.

– Mas…seriam notas de chocolate o que percebo? Talvez cassis…

– Sem dúvida, principal, seu palato é uma potência…À nossa! Ad vitam aeternam!!

– Ah, alternativo, alternativo. Só mesmo você para trazer à lembrança nossa tradição romana em tempos de ameaças graves ao nosso humílimo império. – e golpeou conjurando por três vezes a mesa de madeira-de-lei do solário onde se encontravam (elegante e dissimuladamente, com a ponta dos dedos – mas não sem que alternativo notasse e mudasse de expressão, comiserado).

– Tem estado ruim, não? – indagava alternativo, mas prosseguiu: – As coisas sempre se ajeitam, já sabemos, a história nos conforta.

Principal havia deixado sua mente perambular: o olhar vago, preso a um ponto distante que só poderia ser o da fuga imaginada, enquanto instintivamente trabalhava a bebida com as mãos, com o olhar, com os goles. De súbito, como que chacoalhando maus pensamentos (que seriam um desrespeito à tão excelentes uvas) para fora das idéias, enquanto era observado com anuência por alternativo, resolveu ater-se a assuntos mais prazerosos e à mão: Mas, afinal, de que safra, de que casa seria este vinho maravilhoso?

– Rouanet, 2009, disse alternativo.

– Excelente, excelente…